“Muita gente ainda acha besteira amamentar, e que se a mãe der mamadeira, será mais feliz e menos cansada”. O desabafo de Mariana Ghedin Servidei Santana, mãe de duas crianças e lactante, se enquadra no tema da campanha Agosto Dourado, da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), que incentiva o aleitamento materno: “Apoie a amamentação – faça a diferença para mães e pais que trabalham”.
O Agosto Dourado, mês dedicado ao incentivo ao aleitamento materno, foi instituído em 2017 por lei e a cada ano traz novo tema e campanha. Em 2023, as ações destacam direitos das mães e pais trabalhadores, como licença de até seis meses, intervalo para amamentar durante o horário de trabalho, e estabilidade empregatícia.
A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS) é de que os bebês sejam amamentados exclusivamente com leite materno até os seis meses de idade.
Mariana Ghedin é formada em psicologia, mas deixou de atuar na profissão no auge da pandemia de covid-19, em 2020. Na época, ela estava gestando seu segundo filho, enquanto a filha, com cerca de 1 ano, ainda amamentava. “Muitas mães largam o emprego, assim como eu fiz. A grande dificuldade é: pessoas que apoiem de verdade”, conta.
Coordenadora do Núcleo de Atenção à Saúde da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Juiz de Fora, Thaís Soranço ressalta o papel da Atenção Primária à Saúde (APS), de fornecer suporte à mãe e ao bebê nos serviços oferecidos. “Todas as oportunidades devem ser aproveitadas para o estímulo ao aleitamento materno, esclarecimentos dos mitos e dúvidas, apoio durante consultas de pré-natal e puericultura, nas ações de sala de espera e no acompanhamento das visitas domiciliares às gestantes, puérperas, mães, recém-nascidos e crianças”, disse.
Quando a licença-maternidade chega ao fim
Enfermeira, consultora em amamentação e mãe, Poliana Botelho explica que é possível continuar o aleitamento após o retorno ao trabalho, mas é necessária uma adequação para o conforto da lactante e do bebê.
“No último mês de licença, a mãe precisa pensar onde e com quem o bebê vai ficar. O passo seguinte é planejar a ordenha e o armazenamento do leite. É preciso realizar a adaptação do bebê, a cada dia, deixando por um tempo com o cuidador. É fundamental também que o cuidador saiba como oferecer o leite para desacostumar com a amamentação através do peito”, detalha.
Para Poliana Botelho, “o ideal é utilizar recipientes adequados, como colher dosadora ou um copo aberto. O uso de mamadeiras é o que causa confusão do bico do objeto com o do peito da mãe”, enfatiza.
Além do planejamento para a volta ao trabalho, a mãe precisa de apoio. Aline Bandeira, formada em Publicidade e com atuação há 10 anos em consultoria de amamentação, explica que a mulher muitas vezes é cobrada no trabalho como se não fosse mãe e, enquanto mãe, é cobrada como se não precisasse trabalhar. “A rede de apoio para essa mulher envolve não só a família, mas o local de trabalho e os profissionais de saúde. É preciso um olhar da sociedade como um todo, voltado para os direitos da mãe e do bebê”, descreve.
O que diz a lei
A Constituição Federal diz que a mulher tem direito à estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Sobre a licença-maternidade, a mãe tem direito ao afastamento do trabalho por 120 dias (quatro meses) ou 180 dias (seis meses), se a empresa participar do Programa Empresa Cidadã, sem prejuízo do salário. A licença-maternidade pode começar até 28 dias antes do parto ou a partir da data do nascimento do bebê.
Quando o pai assume o papel de amamentar
Os pais também podem amamentar. Lei de 2021, em vigor no Estado de Minas Gerais, diz que servidores públicos e militares têm direito à licença paternidade estendida em até seis meses, caso a mãe esteja ausente por motivo grave.
Em 2022, foi assegurado o direito à licença-paternidade de até 180 dias para o servidor público federal que seja pai solo.
Para o superintendente regional de saúde de Juiz de Fora, Renan Guimarães de Oliveira, é preciso desmistificar o papel do pai na amamentação. “A criação dos filhos é compartilhada, não é exclusividade de um dos pais”, disse. “Quando o pai amamenta, seja no trabalho ou em casa, o benefício é para ambos. O momento da amamentação reforça o vínculo entre pai e filho, e o SUS está pronto para apoiar o pai e garantir este direito”, ressaltou o superintendente.
Vale lembrar que o pai pode amamentar mesmo se a mãe estiver presente. Pais que desejam dividir as responsabilidades da criação dos filhos com as mães podem assumir a tarefa de amamentar com o leite da própria mãe, retirado e armazenado em casa, seguindo as orientações que podem ser obtidas nas maternidades, postos de coleta e bancos de leite.
Direitos após a licença-maternidade
Os estabelecimentos em que trabalham pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas deixar, sob vigilância e assistência, seus filhos durante a amamentação.
Intervalos para amamentação
Durante a jornada de trabalho, a mãe tem direito a dois intervalos de meia hora cada, adequados à rotina dela e do bebê, até que seu filho complete 6 meses de idade.
Disponibilização de local adequado
A empresa deve disponibilizar um local reservado, com condições higiênico-sanitárias adequadas, destinado às mulheres que retornam da licença-maternidade e desejam continuar amamentando seus filhos.
No município de Juiz de Fora, o Hospital Regional João Penido, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), disponibiliza uma creche, dentro da própria instituição, para filhos de servidores.
Alimento que salva vidas
Segundo dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), em pesquisa realizada no ano de 2019, 45,8% das crianças com menos de 6 meses estão em aleitamento materno exclusivo no Brasil. A meta da Organização Mundial de Saúde (OMS) para 2030 é que essa taxa seja de pelo menos 70% das crianças.
Entre as crianças menores de 6 meses que recebem o aleitamento exclusivo, estão os bebês prematuros, internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
É para as UTIs neonatais dos hospitais da cidade de Juiz de Fora e de municípios vizinhos que o Banco de Leite Humano (BLH) de Juiz de Fora destina as doações recebidas.
De acordo com a enfermeira do BLH, Fernanda Pavan, o leite doado é essencial para o bom prognóstico dos bebês. “Um litro de leite é capaz de suprir a alimentação de até dez recém-nascidos internados”, relata.
O cadastro para doações é feito por meio do aplicativo WhatsApp. A pessoa interessada liga para o Banco de Leite e deixa o número. Em contato posterior, pelo aplicativo, é enviada a ficha para cadastro e são repassadas instruções.
“Para doação, é necessário que a mãe esteja saudável, amamentando em livre demanda, e que possua excesso de leite. Depois do cadastro ser aprovado, uma vez por semana é recolhido, na casa da lactante, o leite doado, e são disponibilizados mais frascos”, explica.
Junto com os frascos de doação, as mães recebem orientações de como armazenar, higienizar as mamas antes de iniciar as coletas, usar touca e máscara durante as ordenhas (material enviado pelo banco de leite).
As lactantes são instruídas a avisar à equipe do BLH quando iniciarem o uso de alguma medicação.
Passo a passo para coleta de leite em casa
Em casa, procure tirar o leite em um lugar limpo e tranquilo;
Use touca e máscara;
Lave as mãos e os braços até o cotovelo com bastante água e sabão;
Lave as mamas apenas com água;
Seque as mamas e as mãos com um pano limpo;
Massageie os seios com a ponta dos dedos, com movimentos circulares. Despreze os primeiros jatos ou gotas e inicie a coleta no frasco;
Identifique o pote com seu nome, data e horário em que retirou o leite;
O leite materno pode ficar até 15 dias no congelador ou no freezer.