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Brasil atende 23% da demanda para transplantes de coração

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Brasil fez 380 cirurgias, mas precisava de outras 1,2 mil em 2017. Número baixo ainda só foi obtido com morte de homens jovens vítimas da ‘epidemia de violência’ , segundo especialistas.

Há 50 anos, em 26 de maio de 1968, o primeiro transplante de coração do país acontecia no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Apesar da evolução nas pesquisas, hoje, apenas 23% da necessidade estimada no país é suprida, de acordo com dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). Mesmo com boa parte dos doadores formada por vítimas da “epidemia de violência”, ainda faltam corações e centros de excelência.

Trezentos e oitenta brasileiros doaram e receberam um coração em 2017 – mesmo assim, a demanda estimada era de 1.638 cirurgias. Isso representa um déficit de 1.258 órgãos. As estimativas são da ABTO. Procurado pelo G1, o Ministério da Saúde não deu balanço dos transplantes e de sua participação no custeio dos procedimentos.

Os transplantes foram realizados por 36 equipes médicas, mas não ocorreram em todo o país.

“O desafio é o país ter mais doadores. Qual é o problema do transplante do Brasil? Precisamos de mais centros e mais doadores”, disse Roberto Kalil, presidente do Conselho Diretor do Incor.

Cirurgias nas capitais

Onze das 27 capitais fizeram transplantes de coração. Elas representam 87,3% de todas as cirurgias do tipo. O Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, fez a primeira cirurgia do tipo e atualmente ainda é o centro que mais faz o procedimento.

“São cidades que têm hospitais com estrutura para fazer transplante e, provavelmente, captação de órgãos e também doadores. O ideal seria ter um Incor em cada região do país” – Roberto Kalil

Entre as 27 capitais, São Paulo é a cidade que mais faz transplantes: 31% de todos os realizados no ano passado. Foram 118, sendo 69 no Incor. As regiões Sudeste e Sul fazem a maioria das cirurgias. O Norte não fez nenhuma.

“É agravante, mas nem tanto. A população do Norte é muito pequena e espalhada. Boa parte deles tem parentes no Sul e Sudeste, e acaba vindo se tratar. E isso não acontece só com transplante, acontece com câncer também, por exemplo”, disse Paulo Pêgo.

Fábio Jatene, vice-presidente do Conselho Diretor do Incor, é o médico que mais fez transplantes de coração no ano passado – foram 57. Ele acredita que, mesmo com essa centralização do serviço, a maior questão ainda é ter mais doadores.

“O principal desafio é a falta de doadores. Esse é um fator limitante sério, não só pra gente, mas para o mundo inteiro” – Fábio Jatene

Epidemia de violência

O G1 analisou os dados de cada um dos 380 doadores e transplantados em 2017 – gênero, idade, localização).

Se os doadores fossem representados de acordo com a maioria, eles seriam homens perto dos 26 anos. São mais jovens em comparação com os países da Europa e, de acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Transplantes de Órgãos (ABTO), Paulo Pêgo, isso acontece devido à uma “epidemia de violência” que atinge o Brasil.

“A violência no Brasil é muito alta. É uma epidemia.” – Paulo Pêgo

“Quem é mais exposto à violência é o homem jovem. Por tudo, ele corre mais no trânsito, ele bebe mais, assalta mais”, afirma.

Em seu livro “De Coração a Coração”, Marcelo Jatene, médico que atua na área desde 1989, fala do incômodo do que é chamado esse ‘paradoxo do transplante’.

“O que seria desse programa se houvesse um controle ideal de armas de fogo, um trânsito seguro, todos os pais cuidassem muito bem dos seus filhos?”

Em países com índices menores de acidentes de trânsito e violência em geral, alternativas são apresentadas. De acordo com Pêgo, a Alemanha tem boa parte de seus transplantes com corações artificiais. É um caminho para salvar vidas, independentemente das doações.

“Eles [países europeus] têm menos órgãos e mais dinheiro. Na última década, tem aumentado muito a implantação de ventrículos artificiais. No Brasil, temos o contrário. Nós temos uma enorme dificuldade de aumentar o número de corações artificiais por uma questão financeira, porque é muito mais caro, mas temos mais órgãos”, disse Pêgo.

Custo dos corações artificiais

No Brasil, os especialistas avaliam que os transplantes artificiais têm um alto custo – o preço fica em média R$ 600 mil. Alguns projetos nacionais, usados em pesquisas, podem ter um valor mais baixo. Por enquanto, o Sistema Único de Saúde (SUS) não arca com as despesas, mas alguns planos de saúde pagam uma parte.

“Os corações artificiais estão sendo usados cada vez mais no mundo todo”, disse Jatene. “O problema é que isso está acontecendo principalmente no primeiro mundo. Os modelos não são simples, nem baratos”.

“Eu acho que, no Brasil, podemos aumentar um pouco a nossa utilização de corações artificiais, mas a gente não vai conseguir claramente resolver todo o problema com isso”.

Evolução do tratamento

Desde o primeiro transplante da equipe de Euryclides de Jesus Zerbini, o procedimento evoluiu. Na época, uma das principais dificuldades era manter o paciente vivo devido à rejeição ao órgão.

Na década de 80, a ciclosporina, droga imunossupressora, foi aprovada e ocorreu uma forte alta no tempo de sobrevivência dos transplantados.

Jatene explica que a evolução das drogas pós-cirurgia não parou. Novos remédios foram incorporados – provocam menos infecções e controlam melhor a rejeição do coração.

“É um processo contínuo. Hoje a gente já usa várias drogas mais eficientes que a ciclosporina. O problema é que essas drogas, como todas as novas, são mais caras. Ficamos o tempo inteiro tentando fazer que isso se inviabilize”.

Desde o início de maio, o G1 entrou em contato com o Ministério da Saúde para falar sobre avanços na área e entender as chances de subsídio pelo SUS. O órgão não conseguiu agendar uma entrevista sobre o assunto.

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